Armandinho, Dodô & Osmar - Jubileu de Prata
- Luiz Eduardo Bedoia
- 2. Aug. 2016
- 4 Min. Lesezeit
Seguindo a linha da tradição da guitarra brasileira passamos obrigatoriamente por ela... A Guitarra Baiana, essa pequena notável que está diretamente ligada à gênese do instrumento e quebrou o paradigma do carnaval de rua baiano, transformando-o em uma das maiores festas populares do planeta.
Nascida em meados da década de 40 e batizada inicialmente de Pau Elétrico, a Guitarra Baiana foi inventada pela lendária dupla Dodô e Osmar (Adolfo Nascimento e Osmar Álvares Macêdo) de Salvador-BA, músicos amadores que tiveram a ideia de construir um novo instrumento após assistirem uma apresentação na capital baiana do músico Benedito Chaves – que utilizava um captador acoplado a um violão tradicional de caixa acústica oca equipada com um captador. Dodô, técnico em eletrônica, procurou adaptar aquela ideia utilizando o sistema em um instrumento de corpo maciço. Em companhia do amigo, fez vários testes com madeiras e posicionando o captador sob as cordas, conseguiu evitar a microfonia que verificaram ocorrer na apresentação que tinham assistido. Partindo do violão, do cavaquinho e do bandolim, conceberam um instrumento que pudesse ser amplificado em alto volume sem gerar microfonia.

O "Pau Elétrico de Dodô" tinha a afinação de um violão. Já o de Osmar era como o bandolim, com afinação em quintas. Pode-se dizer que musicalmente a linguagem da Guitarra Baiana se desenvolveu através da mistura que Osmar e Dodô faziam de choro, música erudita e frevo, mais tarde sofrendo uma forte influência do rock através daquele que se tornou o maior ícone do instrumento: Armandinho Macedo, filho de Osmar. Armandinho pegou toda aquela mistura de Mozart com passo-double, Jacob do Bandolim com frevo e acrescentou uma pegada mais roqueira, usando recursos próprios da linguagem guitarrística, amalgamando de vez a influência moderna da guitarra elétrica americana com a origem bandolinística e essencialmente brasileira do Pau Elétrico. Armandinho também ajudou a desenvolver novos modelos de Guitarras Baianas em parcerias com luthiers como Luizinho Dinamite, Vitório Quintanilha e o grande Elifas Santana, renomado luthier sergipano reconhecido internacionalmente.

Elifas foi fundamental para consolidar as características e a identidade da Guitarra Baiana quando elaborou e construiu a guitarra de Armandinho Macedo com as alterações sugeridas pelo músico. A partir de então, revolucionou a concepção da guitarra baiana introduzindo a alavanca e adaptando um sistema de ponte flutuante (Floyd Rose). A Guitarra Baiana de hoje é fisicamente e musicalmente o fruto dessa miscigenação: um instrumento de madeira sólida com captadores magnéticos e afinação em quintas, capaz de transitar do frevo ao rock pesado, perfeito para tocar qualquer peça escrita para violino ou bandolim, seja um choro ou um concerto. A cada dia mais músicos brasileiros (ou não…) descobrem a versatilidade da Guitarra Baiana, sejam guitarristas, bandolinistas ou até mesmo violinistas.

Osmar Macedo era bandolinista e tocava seus choros misturados a algumas versões de músicas eruditas quando, impressionado pela passagem do bloco de frevo Vassourinhas do Recife em 1950 que fez escala em Salvador uma semana antes do carnaval com destino ao Rio de Janeiro e foi convidado pelo prefeito da época a fazer uma apresentação pública pelo centro da cidade, porém antes de atingir a rua Chile já com a multidão ensandecida se misturando aos músicos chegando a provocar um acidente onde um dos integrantes da banda veio a se ferir após um esbarrão fazendo com que o cortejo fosse suspenso abruptamente. Na mesma noite, após muitas confabulações, concluíram que, se ligassem os "paus elétricos" numa bateria para aumentar a potência do som, eles poderiam brincar o carnaval de uma maneira diferente. Uma semana depois, a velha Fobica de Osmar, na realidade um Ford 1929, participou do carnaval da Bahia equipada com dois alto-falantes; a "Dupla Elétrica" saiu às ruas da cidade e encantou a todos, principalmente àqueles que acompanharam a novidade, cantando e dançando. Até ali, não havia participação popular no carnaval local. As famílias se contentavam em apreciar o corso, desfile de automóveis abertos e decorados, onde moças bonitas e fantasiadas, filhas de famílias ricas, desfilavam pelas ruas da cidade jogando confetes, serpentinas e lança-perfume. Também havia o cortejo de carros alegóricos, patrocinados pelos grandes clubes da capital, entre eles, os "Fantoches de Euterpe", o "Cruz Vermelha" e os "Inocentes em Progresso". Alguns anos depois, Moraes Moreira, o primeiro cantor do Trio Elétrico, comporia Vassourinha Elétrica, contando a história para quem não conhecia.

Osmar passou onze anos longe do circuito carnavalesco. Na década de 60, desgostoso com as dificuldades para sair com o trio e preocupado com a excessiva dedicação dos filhos à música, ele abandonou temporariamente seu invento. Nos anos 60, entrou em cena Orlando Campos, que viria a ser conhecido como Orlando Tapajós.
Foi Orlando Tapajós o responsável pela profissionalização do trio elétrico, adotando placas de metal no lugar da carroceria do caminhão e vendendo publicidade no histórico Trio Tapajós.

Depois dessa longa ausência, em 1974, a dupla Dodô e Osmar retornou ao Carnaval baiano com uma nova formação: "Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar". Na ocasião, eles gravaram o disco "Jubileu de Prata", que foi lançado no início de 1975, em comemoração aos 25 anos de criação do Trio e além de inaugurar a participação do músico Armandinho, filho de Osmar traz o excelente Moraes Moreira, que foi o primeiro cantor do Trio Elétrico. A inclusão de Moraes Moreira no Trio é um marco importante na evolução do Trio Elétrico, que passou a contar também com três outros filhos de Osmar, além de Armandinho: Aroldo, André e Betinho. A nova formação incluiu também Ary Dias, parceiro de Armandinho no grupo A Cor do Som, e outros bateristas e percussionistas. Com a chegada de Armandinho, Betinho, Aroldo e André foram introduzidos novos ritmos, como o “frevoque” (frevo com rock) e o “frevoxé” (frevo com afoxé). No referido disco "Jubileu de prata", destacam-se os pot-pourris "Arrasta pé", com músicas de autores clássicos, e "Desafilho", no qual são misturadas composições de Luiz Gonzaga ("Luar do sertão") e Ponchielli ("A dança das horas"), entre outros. "Desafilho" registra um duelo de guitarras entre Osmar e seu filho Armandinho. Outro destaque do disco foi a faixa "Double Morse" (Dodô e Osmar). Nesta composição, uma homenagem ao criador do telégrafo, pode-se ouvir, na introdução, uma seqüência semelhante às batidas do código Morse. É aqui, com um olhar no pique antropofágico do som do trio, que Caetano Veloso afirmou: “O Trio Elétrico sai carnavalizando tudo o que vê, desde os clássicos mais populares aos populares mais clássicos". Em homenagem ao grupo, Caetano compôs "Atrás do trio elétrico", canção gravada no LP "Caetano Veloso" (Philips, 1969), cujo verso inicial é definitivo:
"Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu".
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