Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina
- Luiz Eduardo Bedoia
- 23. Juni 2016
- 3 Min. Lesezeit
Tudo começou em 1963, em Belo Horizonte. O cantor, compositor e instrumentista Milton Nascimento tinha acabado de chegar de Três Pontas, onde tocava na banda W’s Boys com o pianista Wagner Tiso, e foi morar numa pensão no Edifício Levy, na cinzenta Avenida Amazonas, no centro da cidade. Lá, em outro apartamento, viviam os irmãos Borges – doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade também com Márcio e com o pequeno Lô, de apenas dez anos de idade, que desceu certa vez as escadas do prédio para ver de quem era aquela voz e aquele violão que o encantavam. A partir de então a turma de músicos mineiros reunida por Milton e os Borges não parava de crescer, com a chegada de Flávio Venturini, Vermelho e Tavinho Moura, que apresentou muitas das canções folclóricas mineiras que Milton gravaria em Gerais. Eles se apresentavam em shows chamados Fio da Navalha com Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta.

Faltava apenas batizar essa reunião de músicos. Um dia, na esquina da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, no bucólico bairro de Santa Teresa, Milton e os irmãos Borges fundaram o Clube da Esquina, irmandade unida no interesse por música, política, amizade e uma cachacinha das boas. O nome foi idéia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão". Em comum entre os integrantes, a origem de classe média, o grande interesse por assuntos culturais e políticos e a disposição de privilegiar os temas sociais em detrimento do amor nas letras. Antes mesmo que se formalizasse um movimento (que, de acordo com seus integrantes, nunca se formalizou), Milton e Lô Borges (então com 17 anos de idade) entraram em 1972 nos estúdios da EMI para gravar o primeiro Clube da Esquina. Com uma capa que trazia apenas a foto de dois meninos, um preto e uma branco, na beira de uma estrada em Nova Friburgo, o LP apresentou ao país a alquimia sonora gestada por aquele grupo de mineiros, ao qual se agregaram ainda o letrista Ronaldo Bastos e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso): bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo, tudo reunido numa música original, de apelo universal e grande força poética.
O Disco é primoroso e representa um marco da música popular brasileira, inaugurando e consolidando ao mesmo tempo um movimento musical que trouxe a nossa canção renovação estética e melódica, onde se fundiam ritmos e tradições mineiras brasileiríssimas, numa mistura de rock progressivo com música popular, resultando num trabalho tecnicamente perfeito e de qualidade excepcional Entre os destaques do álbum podemos citar as canções "Tudo que você podia ser", "San Vicente", "Cais", "Nuvem cigana", "Cravo e canela", "Nada será como antes", "Paisagem da Janela", "O trem azul" e "Um girassol da cor de seu cabelo", músicas que já fazem parte de nossos clássicos contemporâneos e que o tempo não as deixa envelhecer.
Com direção musical de Lindolfo Gaya, e orquestrações de Eumir Deodato e Wagner Tiso o LP Clube da Esquina abre um novo caminho na música popular, revelando em suas canções um regionalismo de conotação universal, emocionando a todos que o ouvem, sentindo pulsar fortemente o espírito da tradição mineira tão bem revelada.
Ouça com a atenção que os clássicos merecem.
Comments