Raimundo Fagner - Eu canto ou Quem viver chorará (1978/79)
- Eduardo Bedoia
- 31. Aug. 2016
- 3 Min. Lesezeit
Nasci no inicio de 1979, mas como a atmosfera musical sempre foi muito presente em casa lembro desse disco como se tivesse acompanhado seu lançamento no ano anterior... sei que isso parece impossível e razoavelmente anacrônico, mas é assim que me sinto quando ouço essa obra do músico cearense, Raimundo Fagner.
Isso de fato vem ser bastante palpável, pois apesar de já estar presente e bem inserido no cenário da MPB, Fagner estourou de verdade com esse disco que foi o primeiro da sua carreira a obter o disco de Ouro com 170 mil cópias vendidas e se o bicho abocanhou de jeito sua fatia de mercado no eixo Rio-São Paulo, aqui no nordeste o cabra tocava em tudo que é bodega de formas que alguns anos depois Fagner era Fagner por causa de "Quem Viver Chorará"... ao menos pra mim que ao fuçar nos discos empoeirados de casa me deparei com esse LP em condições de colecionador.

O disco é emblemático, e assim como o sertanejo, antes de tudo, Forte... Com uma pedrada atrás da outra e o canto marcante de Raimundo Fagner a obra de cara revela depois dos primeiros chiados do atrito da agulha com o acetato a vigorosa Guitarra de Robertinho do Recife que não se cala durante toda a faixa Revelação... Em tempo vale ressaltar o time que acompanha Fagner na gravação desse disco que é de dar inveja em qualquer um: Manassés (viola, cavaquinho e viola de 10 cordas), Ife (baixo elétrico e violão), Chico Batera (bateria e percussão), Alceu Reis (violoncelo), Nelson Macedo (viola), Robertinho de Recife (guitarra elétrica e guitarra portuguesa), Alzik Meilach(violino), José Alves (violino), Dino (violão de 7 cordas), Ozias (baixo acústico), Armandinho (bandolim elétrico), Amelinha (vocalise) e as participações especiais do guitarrista flamengo Pedro Soler e do cantor e compositor Alceu Valença.
Depois de uma abertura marcante o cara emplaca a existencial "Jura Secreta", seguindo pela flamenca "Acalanto para um Punhal" preparando o caminho para raiz nordestina sintetizada com o canto mouro em "Punhal de Prata" de Alceu Valença. Para abrir o lado B a apoteótica As Rosas não Falam de nada mais nada menos do que Angenor de Oliveira, o "favelado analfabeto" do Morro da Mangueira que lia os poemas de Padre Antônio Viera... Poesia em estado puro e alto grau de concentração, poesia que apesar de enriquecer a obra também foi responsável por seu maior contra-tempo.
Fagner sempre foi muito bom em musicar poemas, como já havia feito antes com Canteiros (poema de Cecília Meireles) que virou esse sucesso todo que todo mundo conhece. Porém no caso desse disco antológico de 78 a coisa desandou, pois a canção "Motivo" , também um poema Cecília (mesmo com Fagner dividindo os créditos, tudo certinho, dentro dos conformes com a grande Poetiza) e o nome do Disco (que era um trecho do Poema: “Eu canto”) causaram um grande impasse com os familiares da poetisa, talvez pelo empasse anterior acontecido quando Fagner lançou Canteiros pela gigante CBS, atual Sony que enfrentou um processo e no final acabou pagando uma multa astronômica aos familiares da poetiza para inseri-la em seu disco. Já no caso da canção Motivo a gravadora era a Plygram que com certeza não tinha a mesma condições ou disposição da CBS para enfrentar uma briga judicial e acabou embargando o disco e impedindo sua venda, ou seja, tiveram que retirar os discos das prateleiras, todos eles.
No ano seguinte com a vitória de Raimundo Fagner no Festival da Tupi, uma nova tiragem do LP, dessa vez sem o título que faz referência ao poema da discórdia, e estampando o título ‘‘QUEM VIVER CHORARÁ’’ voltou às lojas e dessa vez com a ausência de Motivo e a inclusão da canção vencedora do festival, Quem Me Levará Sou Eu.
Hoje quando escuto a produção atual de Fagner... quase sempre por acidente, no rádio ou na TV tenho imensa saudade desse Fagner da minha infância, do cara engajado, nordestino como eu e que me apresentou Cartola, Alceu, Cecília Meireles, Gonzaguinha, Mercedes Sosa... Aí eu corro pro meu acervo e escuto os discos Orós, Manera Fru Fru, Manera, Beleza, Eu Canto, Traduzir-se... e mato a saudade.
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